"Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo." (Lacan, 1959)
Construção do Sujeito em Lacan: O Outro e Eu
Como o sujeito se constitui diante do Grande Outro? A partir dos conceitos de alienação e desejo, veja como Lacan revela o papel do Outro no desenvolvimento de uma posição singular e ética diante do próprio desejo.


Na teoria lacaniana, o sujeito constitui-se em sua relação com o Grande Outro, uma instância simbólica que representa o campo das normas, da linguagem e das estruturas culturais e sociais que preexistem ao sujeito e o moldam. Esse Outro inclui desde figuras de autoridade e leis sociais até o próprio sistema de significação, configurando-se como o lugar onde se inscrevem as leis do desejo e os discursos que estruturam a experiência humana.
Lacan observa que o sujeito emerge, não como reflexo direto do Outro, mas como uma resposta ao que este demanda (Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, 1964). O processo de identificação com o Grande Outro implica uma internalização de valores e normas que nunca ocorre de modo absoluto ou passivo. Essa relação é dialética: o sujeito traduz, reinscreve e reorganiza os significantes que recebe, constituindo-se em um campo de tensões entre o que é solicitado pelo Outro e o que, inconscientemente, ele busca afirmar de si.
Assim, o sujeito lacaniano não é um agente unicamente determinado, mas um ser em constante reelaboração, cuja subjetividade se dá através do trabalho com os significantes recebidos do Outro. Essa posição permite ao sujeito situar-se diante dos significantes que o estruturam, criando um espaço para a singularidade e para o questionamento das identificações automáticas. Essa alienação inicial ao Outro não é, para Lacan, um impedimento, mas sim uma condição que o motiva a um processo de reconhecimento e crítica de suas identificações.
Esse processo, no entanto, não ocorre sem conflitos. A posição do sujeito frente ao Grande Outro é marcada pela alienação, que o coloca na condição de um reflexo da demanda externa. Lacan aponta que é no reconhecimento dessa alienação que o sujeito pode começar a questionar o lugar que ocupa e a significação que dele se espera. Esse movimento é essencial para o que Lacan descreve como a possibilidade de se confrontar com o desejo próprio, na medida em que o sujeito investe o Outro de uma distância crítica, que abre um espaço para a construção de uma posição própria (Seminário 10: A angústia, 1962-1963).
Portanto, na teoria lacaniana, o sujeito não é determinado de maneira rígida pelo Grande Outro. Ele se constitui em uma relação constante com essa instância, confrontando-se com ela e criando, nessa dialética, uma singularidade que permite a expressão de seu desejo e de suas escolhas. É por meio desse confronto que o sujeito lacaniano pode, não sem conflitos, buscar um posicionamento ético que dê conta de sua própria subjetividade.